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domingo, 1 de fevereiro de 2009

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Lectio
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Surfistas: 11.º ano.
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«(…) Agora que resolvera dedicar-me apenas à descoberta da verdade, pensei que era necessário (…) rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se após isso acaso ficaria qualquer coisa nas minhas opiniões que fosse inteiramente indubitável.

Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há que seja tal como eles o fazem imaginar. E, porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos [falácias], rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões de que até então me servira nas demonstrações. Finalmente, considerando que os pensamentos que temos quando acordados nos podem ocorrer também quando dormimos, sem que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade – eu penso, logo existo – era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para as abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava.

(…)
Depois disso, considerei de uma maneira geral o que é indispensável a uma proposição para ser verdadeira e certa; porque, como acabava de encontrar uma com esses requisitos, pensei que deveria saber também em que consiste essa certeza. E tendo notado que nada há no penso, logo existo, que me garanta que digo a verdade, a não ser que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei que podia admitir como regra geral que é verdadeiro tudo aquilo que concebemos muito claramente e muito distintamente (…).

Depois, tendo reflectido que, já não duvidava, o meu ser não era inteiramente perfeito, pois claramente via que o conhecimento é uma maior perfeição do que o duvidar, lembrei-me de procurar de onde me teria vindo o pensamento de alguma coisa de mais perfeito do que eu era; e conheci com evidência que deveria ter vindo de alguma natureza que fosse efectivamente mais perfeita.

(…) A ideia de um ser mais perfeito do que o meu (…) tê-la formado do nada era manifestamente impossível; e, porque não repugna menos admitir que o mais perfeito seja uma consequência e uma dependência do menos perfeito do que admitir que do nada alguma coisa possa proceder, não podia também aceitar que tivesse sido criada por mim próprio. De maneira que restava apenas admitir que tivesse sido posta em mim por um ser cuja natureza fosse verdadeiramente mais perfeita do que a minha, e que mesmo tivesse em si todas as perfeições que eu poderia idealizar, isto é, que fosse Deus (…).

A isso acrescentei que, visto conhecer algumas perfeições que não possuía, não era o único ser que existia (…), mas que necessariamente devia existir algum outro mais perfeito, do qual dependesse e de quem tivesse recebido tudo o que possuía. (…)

(…) Quem nos garante, com efeito, que os pensamentos que ocorrem em sonhos são mais falsos do que os outros, se muitos deles não são menos fortes e nítidos? Por mais que os melhores espíritos se esforcem, não creio que possam apresentar nenhuma razão que baste para desfazer essa dúvida, se não pressupuserem a existência de Deus.

Na verdade, em primeiro lugar, aquilo mesmo que há pouco adoptei como regra, isto é, que são inteiramente verdadeiras as coisas que concebemos muito clara e distintamente, não é certo senão porque Deus é ou existe, ser perfeito de que nos vem tudo que em nós existe. Donde se segue que as nossas ideias ou noções, coisas reais que provêm de Deus, não podem deixar de ser verdadeiras na medida em que são claras e distintas. (…)

Ora, depois de o conhecimento de Deus e da alma [mente, coisa pensante] ter garantido a certeza dessa regra, é fácil compreender que os sonhos que imaginamos não devem, de modo algum, fazer-nos duvidar da verdade dos pensamentos que temos quando acordados.»

René Descartes, O Discurso do Método, trad. port. Newton de Macedo (Lisboa, Sá da Costa, 1984) 27-29, 32, 33.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009


Lectio
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Surfistas: todos!
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Elementos Básicos de Filosofia, de Nigel Warburton (Lisboa: Gradiva, 2007), é uma edição revista e aumentada de uma das melhores introduções à filosofia, da autoria de um filósofo americano bastante activo e empenhado na divulgação da Filosofia. Num estilo linguístico atraente e fácil, mas filosoficamente rigoroso, Warburton dá a pensar ao leitor os principais problemas da filosofia e discute as suas habituais soluções.
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Para os alunos do 10.º ano são bastante úteis, sobretudo: a "Introdução" (pp.15-28), que responde a algumas questões muito comuns sobre a utilidade da filosofia, se é difícil estudá-la e o que se pode esperar dela; o capítulo "Bem e mal", que, nas pp. 71-90, se dedica à Ética, que será alvo de estudo nas nossas aulas já de seguida e que, nas pp. 96-100, aborda um dos temas de ética aplicada hoje mais discutido, que é o tema da eutanásia (que poderá ser escolhido para ser trabalhado pelos alunos no terceiro período); o capítulo "Política" (pp. 113-147), cujo tema será, em parte, abordado no terceiro período; e o capítulo "Deus" (pp. 29-68), que trata da questão da existência de Deus, e o capítulo "Arte" (pp. 235-259), que trata, entre outras, das questões relacionadas com a definição de obra arte, que serão alvo de opção para uma abordagem de um desses temas a terminar o ano lectivo.
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Para os alunos do 11.º ano serão úteis, sobretudo, o capítulo "O mundo exterior", principalmente pp. 151-162, que trata do problema do cepticismo, e o capítulo "Ciência" (pp. 179-202), que discute os principais problemas epistemológicos relacionados com a ciência, como sejam o problema da indução e o cientismo, questões que abordaremos até ao terceiro período e que, de qualquer modo, nos acompanharão na elaboração das monografias finais.
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A ler.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008


Lectio

Surfistas: 10.º e 11.º anos.
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Eis uma sugestão de leitura para quem está a dar os primeiros passos -- independentemente da idade -- no pensamento filosófico. Trata-se de um livro que trata o leitor por tu, porque é mesmo para ti que ele é dirigido!
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Que Quer Dizer Tudo Isto? Uma iniciação à filosofia, de Thomas Nagel, trad. port. de Teresa Marques (Lisboa: Gradiva, 1995) 92 pp., é uma pequena introdução a nove temas-problemas filosóficos centrais, apresentando-os de forma a poderes compreender verdadeiramente os problemas e a orientar-te numa reflexão mais aprofundada sobre cada um deles. Embora não se preocupando em apresentar as principais teorias e argumentos filosóficos conhecidos sobre cada um dos problemas, nem os principais filósofos que a eles profundamente se dedicaram ao longo da história é um excelente exercício ao mesmo tempo reflexivo e introdutório à filosofia e ao filosofar, muito útil para alunos do 10.º ano, mas também do 11.º ano do ensino secundário ou até mesmo para todo o aventureiro do saber. Para mais informações sobre o livro podes surfar até aqui.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008


Lectio
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Surfistas: 11.º ano.

«O pensamento consequente é o pensamento fundamentado. Um pensamento é consequente quando se baseia em razões e retira correctamente consequências das razões em que se baseia.(…)

A lógica permite determinar que consequências se retiram correctamente das nossas ideias e que consequências só aparentemente se retiram delas. Uma demonstração lógica é um modelo abstracto e simplificado do pensamento consequente (…).

Por exemplo, alguém poderá defender a seguinte ideia, hoje em dia muito popular: “Todas as verdades são relativas”. Sem formação lógica, acontece duas coisas a essa pessoa. Em primeiro lugar, não se apercebe que a sua ideia é auto-refutante – isto é, não se apercebe que a verdade da sua ideia implica a sua falsidade. Se todas as verdades são relativas, também esta é uma verdade relativa; mas ser uma verdade relativa significa que para algumas pessoas, ou em algumas circunstâncias, ou para algumas comunidades, esta ideia é falsa. Logo, se for verdade que todas as verdades são relativas, é falso em algumas circunstâncias que todas as verdades são relativas. Em segundo lugar, não só essa pessoa não se apercebe dessa dificuldade lógica elementar a que tem de responder, como sente que quem lhe apresenta este contra-argumento a está a enganar. Como o contra-argumento se baseia num raciocínio ligeiramente complexo e a pessoa em causa não tem instrumentos para avaliar a sua correcção, sente que está a ser enganada. O resultado dessa situação é que essa pessoa não está equipada para discutir ideias filosóficas – tudo o que consegue fazer é dar voz aos preconceitos do seu tempo, sem ter capacidade crítica para se distanciar das suas próprias ideias e procurar responder aos argumentos que se levantam contra elas. Nestas circunstâncias, o estudo da filosofia deixa de conduzir à liberdade do pensamento crítico e torna-se apenas um meio para sustentar preconceitos com nomes sonantes de filósofos e palavras complicadas.»

Desidério Murcho, O Lugar da Lógica na Filosofia (Plátano: Lisboa, 2003) 30-31.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008


Lectio

Surfistas: todos!


Novo livro na área da filosofia da mente, de Matt Carter, Minds and Computers – An Introduction to the Philosophy of Artificial Intelligence, Edinburgh University Press, 2007, 222 pp.
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O autor propõe uma abordagem aos problemas clássicos da filosofia da mente (como a questão da liberdade ou determinismo), mas numa perspectiva computacional. Será que podemos pensar/conceber o cérebro como um computador? Esta linha de investigação é hoje muito promissora e atractiva, uma vez que se encontra em consonância com o avanço das investigações e reflexões em Inteligência Artificial, área científica que conta, inevitavelmente, com a colaboração de áreas da Filosofia, como a Lógica e a Filosofia da Mente.
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Dá uma "surfadela" na recensão crítica do livro, na revista on line Philosophy Now.