quarta-feira, 8 de outubro de 2008


Lectio
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Surfistas: 11.º ano.

«O pensamento consequente é o pensamento fundamentado. Um pensamento é consequente quando se baseia em razões e retira correctamente consequências das razões em que se baseia.(…)

A lógica permite determinar que consequências se retiram correctamente das nossas ideias e que consequências só aparentemente se retiram delas. Uma demonstração lógica é um modelo abstracto e simplificado do pensamento consequente (…).

Por exemplo, alguém poderá defender a seguinte ideia, hoje em dia muito popular: “Todas as verdades são relativas”. Sem formação lógica, acontece duas coisas a essa pessoa. Em primeiro lugar, não se apercebe que a sua ideia é auto-refutante – isto é, não se apercebe que a verdade da sua ideia implica a sua falsidade. Se todas as verdades são relativas, também esta é uma verdade relativa; mas ser uma verdade relativa significa que para algumas pessoas, ou em algumas circunstâncias, ou para algumas comunidades, esta ideia é falsa. Logo, se for verdade que todas as verdades são relativas, é falso em algumas circunstâncias que todas as verdades são relativas. Em segundo lugar, não só essa pessoa não se apercebe dessa dificuldade lógica elementar a que tem de responder, como sente que quem lhe apresenta este contra-argumento a está a enganar. Como o contra-argumento se baseia num raciocínio ligeiramente complexo e a pessoa em causa não tem instrumentos para avaliar a sua correcção, sente que está a ser enganada. O resultado dessa situação é que essa pessoa não está equipada para discutir ideias filosóficas – tudo o que consegue fazer é dar voz aos preconceitos do seu tempo, sem ter capacidade crítica para se distanciar das suas próprias ideias e procurar responder aos argumentos que se levantam contra elas. Nestas circunstâncias, o estudo da filosofia deixa de conduzir à liberdade do pensamento crítico e torna-se apenas um meio para sustentar preconceitos com nomes sonantes de filósofos e palavras complicadas.»

Desidério Murcho, O Lugar da Lógica na Filosofia (Plátano: Lisboa, 2003) 30-31.

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