terça-feira, 26 de maio de 2009

Podem as tecnologias reprodutivas pôr em risco o que valorizamos na família?

Texto

«Todas as éticas até hoje conhecidas (…) tinham em comum as seguintes premissas interdependentes: que a condição humana, determinada pela natureza do homem e pela natureza das coisas, era um dado intemporal; que, nessa base, o bem humano era imediatamente determinável; e que o âmbito da acção e, logo, da responsabilidade humanas, se encontrava cuidadosamente delimitado. A minha discussão encarregar-se-á de mostrar que estas premissas já não são válidas e de reflectir sobre a repercussão desse facto na nossa vida moral. De maneira mais específica, caber-me-á objectar que certos desenvolvimentos dos nossos poderes fizeram com que mudasse a natureza da acção humana e que, uma vez que a ética diz respeito à acção, deveria concluir-se que a mudança de natureza da acção humana exige uma igual mudança na ética (…).

Um imperativo que desse resposta ao novo tipo de acção humana e dirigido ao novo tipo de intervenção que a comanda poderia exprimir-se como segue: “Age de tal maneira que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a preservação da vida humana genuína”; ou, expresso negativamente, “Age de tal maneira que os efeitos da tua acção não sejam destruidores da futura possibilidade dessa vida”; ou, simplesmente, “Não comprometas as condições de uma continuação indefinida da humanidade sobre a terra”; ou, de modo mais geral, “Nas tuas acções presentes, inclui a futura integridade do Homem entre os objectos da tua vontade”.
(…)
Nos últimos tempos, as ciências da vida têm-se aproximado do ponto em que os potenciais de tecnologia e de engenharia inerentes ao progresso de toda a ciência física começam a fazer a sua entrada nos domínios da biologia em geral e da biologia humana em particular. As possibilidades práticas oferecidas pelo novo conhecimento podem dar mostras de ser tão irresistíveis como os dos antigos campos da tecnologia, mas, desta vez, bem faríamos se considerássemos antecipadamente as respectivas implicações de modo a que, ao menos agora, não sejamos apanhados completamente de surpresa pelos nossos próprios poderes, como nos permitimos ser em casos anteriores. O controlo biológico do homem, especialmente o controlo genético, levanta questões éticas de um tipo totalmente inédito, para as quais nem a praxis nem o pensamento anteriores nos prepararam. Uma vez que aquilo que está em causa é nada mais nada menos que a própria natureza e imagem do homem, é a prudência que, por si só, se torna no nosso primeiro dever ético, e o raciocínio hipotético na primeira das nossas responsabilidades. Levar em conta as consequências antes de empreender a própria acção mais não é do que bom senso. Neste caso, manda-nos a sabedoria a ir mais além e a examinar o uso dos poderes mesmo antes de eles se encontrarem prontos para ser usados.»

Hans Jonas, Ética, Medicina e Técnica, trad. port. António Fernando Cascais (Lisboa: Veja Ed., 1994) 27, 46, 63-4.
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