quinta-feira, 21 de maio de 2009

Podem as coisas naturais ter valor em si mesmo?

Textos

«Logo que o divino Ulisses regressou das terras de Tróia, mandou enforcar numa mesma corda uma dúzia de escravas pertencentes à sua casa, por suspeita de mau comportamento durante a sua ausência. A questão da pertinência deste enforcamento. Não se colocava. As jovens eram sua propriedade e a livre disposição de uma propriedade era então, como é hoje, uma questão de conveniência pessoal, não de bem ou de mal. E, no entanto, os conceitos de bem e de mal não faltavam na Grécia da “Odisseia”… Ainda hoje não há ética que se aplique à terra, assim como aos animais e às plantas que crescem sobre ela. A terra, exactamente como as jovens escravas da “Odisseia”, é sempre considerada como uma propriedade. A relação com aterra é ainda estritamente económica: compreende privilégios, mas nenhuma obrigação.»
Aldo Leopold, A Land Ethic 1949

«Os rochedos têm direitos? Se chegar o dia em que esta questão não mais se apresente como ridícula para um grande número de nós, estaremos então na via de uma mudança de sistema de valores que tornará, porventura, possíveis medidas susceptíveis e pôr termo à crise ecológica. Esperemos que ainda se esteja a tempo.»
Roberick Nash, “Do rocks have rigths?”, Center Magazine, 10, 1977.

«Regresso, portanto, à natureza! Isso significa: ao contrato exclusivamente social, acrescentar a celebração de um contrato natural de simbiose e de reciprocidade, no qual a nossa relação com as coisas substitua o domínio e a posse pela escuta admirativa… O direito de domínio e de propriedade reduz-se ao parasitismo. Pelo contrário, o direito de simbiose define-se pela sua reciprocidade: tanto quanto a natureza dá ao homem, assim tanto este deve dar àquela, tornada sujeita de direito.»
Michel Serres, Le Contrat Naturel (Paris: Flammarion, 1990) 67.

«O ideal da ecologia profunda seria um mundo onde as épocas perdidas e os horizontes longínquos teriam precedência sobre o presente. Não é, pois, por acaso, que ela hesita ainda entre os motivos românticos da revolução conservadora e os “progressistas” da revolução anticapitalista. Nos dois casos, é a mesma obsessão de acabar com o humanismo que se afirma de modo por vezes neurótico, ao ponto de se poder dizer da ecologia profunda que ela mergulha algumas das suas raízes no nazismo e estende os seus ramos até às esferas mais extremas do esquerdismo cultural.
(…)
As duas principais dificuldades com que se debate a ecologia profunda no seu projecto de constituir a natureza como sujeito de direito, capaz de desempenhar o papel de parte num “contrato natural”, podem ser sintetizadas do seguinte modo: a primeira, que choca pela sua evidência, é a de a natureza não ser um agente, um ser susceptível de agir com a reciprocidade que se espera de alter ego jurídico. É sempre para os homens que o direito existe, é para ele que a árvore ou a baleia se podem tornar os objectos de uma forma de respeito reconhecida pelas legislações – não o inverso. Menos evidente é a segunda dificuldade: admitindo que seja possível falar metaforicamente “da natureza” como de “uma parte contratante”, seria ainda necessário precisar o que, nela, é suposto possuir um valor intrínseco. Os fundamentalistas respondem, na maior parte das vezes, que se trata da “biosfera” no seu conjunto, porque ela dá vida a todos os seres que dela participam ou, pelo menos, permite manter-lhes a existência. Mas a biosfera dá vida tanto ao vírus da sida como ao bebe foca, à peste e à cólera como à floresta e ao ribeiro. Poderá, com seriedade, dizer-se que o HIV é sujeito de direito ao mesmo título que o homem?»
J.-L. Ferry, A Nova Ordem Ecológica, trad. port. Luís de Barros (Lisboa: Asa, 1993) 139, 194.

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Shalow ecology vs. deep ecology

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