terça-feira, 26 de maio de 2009

Ouvir Edgar Morin, perscrutar a complexidade

Decorreu na passada sexta-feira, em Viseu, o Colóquio “Complexidade, Valores e Educação do Futuro – em torno de Edgar Morin”, organizado pelo Instituto Piaget, a propósito do seu 30.º aniversário. O octogenário filósofo francês, um dos maiores filósofos vivos, apresentou “Os caminhos para o pensamento complexo”, uma brilhante síntese do essencial do seu pensamento, num invejável “portunhol”, eficaz e brilhantemente realizado enquanto língua e comunicação.
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As traves mestras da sua epistemologia assentam na convicção de que toda a cultura ocidental se enraizou num «modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real»(1). A crescente especialização disciplinar a que conduziu a ciência moderna, afastou o homem de uma compreensão mais aprofundada do real: há um erro profundo «no modo de organização do nosso saber em sistema de ideias (teorias, ideologias); existe uma nova ignorância ligada ao desenvolvimento da própria ciência; existe uma nova cegueira ligada ao uso degradado da razão; as ameaças mais graves em que a humanidade incorre estão ligadas ao progresso cego e descontrolado do conhecimento (armas termonucleares, manipulações de todas as espécies, desequilíbrio ecológico, etc.)»(2). Morin – sempre serena mas profundamente dramático – alertou para o facto de que “esquartejar a natureza em pedaços está a conduzir à sua destruição”(3).
Houve, é certo, vários filósofos (Platão, Descartes, Kant) que tentaram descobrir a complexidade do real. No entanto, no seu ímpeto racionalizador, perderam essa complexidade, pois encerraram-na num sistema fechado de tentativa de explicação do mundo. Outros houve que – segundo Morin – ainda assim tentaram, através de um pensamento fragmentário, perscrutar essa complexidade, como Heraclito, Espinosa (Deus sive Natura), Pascal (tudo tem conexão), Nietszche, Hegel e Bergson (e a criatividade evolutiva), ou Marx (que era filósofo, economista, historiador, político e, com a sua dialéctica, que herdou de Hegel, nos mostra que não podemos eliminar as contradições, temos de as enfrentar), ou Piaget, Foucault e Kuhn (que, com a sua teoria dos paradigmas, procura mostrar como “há princípios invisíveis que governam o nosso conhecimento”).

Para Morin, “se não procurarmos elucidar esses princípios ocultos do nosso conhecimento, ficamos cegos!” É preciso ver as “conexões entre as coisas, que parecem desligadas”. É claro que a complexidade não é de hoje (refere Morin, na sua lúcida e perscrutante humildade), apenas o conceito é novo – ela está latente em toda a história da humanidade, pois “há complexidade onde há pensamento!”

A complexidade é pressentida nalgumas ciências, como a história, que mostra as contradições do real humano – guerras vs. desenvolvimento dos processos económicos e sociais –, ou como a ecologia, verdadeira ciência da complexidade, que implica a Biologia, Botânica, Climatologia, em suma, implica uma tão necessária inter e transdisciplinaridade.

Morin lembra, insistentemente, como o próprio homem é homo sapiens (racionalidade), mas também homo demens (loucura); homo faber (que produz) e homo economicus (que comercia), mas também é homo ludens (que joga, consome e desperdiça). Morin sugere que “não devemos esquecer a poesia, o mito, a religião, no caminho para a complexidade”, uma vez que “há coisas que escapam a uma razão restringida” – o mistério escapa à razão moderna, que é uma razão fragmentária, restringida, fechada à complexidade do real.

Morin terminou a sua intervenção – prenhe de pensamento – exultando: “temos necessidade de ‘mundiólogos’, que vejam o mundo como um todo complexo”; “a complexidade é um desafio”; “há uma ligação entre conhecimento complexo e via de desenvolvimento civilizacional, que há que mudar”.

Pensar faz bem; ouvir e dialogar com um grande pensador ainda mais... projecta-nos para um futuro misterioso de possível desvelamento!
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(1) Edgar Morin, Introdução ao Pensamento Complexo, trad. port. Dulce Matos (Lisboa: Instituto Piaget, 2008) 5.ª edição, p. 14.
(2) Ibidem.
(3) As expressões “entre aspas” são citações muito próximas das palavras proferidas por Morin na sua comunicação.

2 comentários:

MCF disse...

“se não procurarmos elucidar esses princípios ocultos do nosso conhecimento, ficamos cegos!”

Serena e dramaticamente respondendo, talvez não seremos apenas cegos, não teremos é olhos!

Miguel Portugal disse...

Bem VISTO, MCF!