
Quaestio
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Surfistas: 10.º ano!
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Depois disso, considerei de uma maneira geral o que é indispensável a uma proposição para ser verdadeira e certa; porque, como acabava de encontrar uma com esses requisitos, pensei que deveria saber também em que consiste essa certeza. E tendo notado que nada há no penso, logo existo, que me garanta que digo a verdade, a não ser que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei que podia admitir como regra geral que é verdadeiro tudo aquilo que concebemos muito claramente e muito distintamente (…).
Depois, tendo reflectido que, já não duvidava, o meu ser não era inteiramente perfeito, pois claramente via que o conhecimento é uma maior perfeição do que o duvidar, lembrei-me de procurar de onde me teria vindo o pensamento de alguma coisa de mais perfeito do que eu era; e conheci com evidência que deveria ter vindo de alguma natureza que fosse efectivamente mais perfeita.
(…) A ideia de um ser mais perfeito do que o meu (…) tê-la formado do nada era manifestamente impossível; e, porque não repugna menos admitir que o mais perfeito seja uma consequência e uma dependência do menos perfeito do que admitir que do nada alguma coisa possa proceder, não podia também aceitar que tivesse sido criada por mim próprio. De maneira que restava apenas admitir que tivesse sido posta em mim por um ser cuja natureza fosse verdadeiramente mais perfeita do que a minha, e que mesmo tivesse em si todas as perfeições que eu poderia idealizar, isto é, que fosse Deus (…).
A isso acrescentei que, visto conhecer algumas perfeições que não possuía, não era o único ser que existia (…), mas que necessariamente devia existir algum outro mais perfeito, do qual dependesse e de quem tivesse recebido tudo o que possuía. (…)
(…) Quem nos garante, com efeito, que os pensamentos que ocorrem em sonhos são mais falsos do que os outros, se muitos deles não são menos fortes e nítidos? Por mais que os melhores espíritos se esforcem, não creio que possam apresentar nenhuma razão que baste para desfazer essa dúvida, se não pressupuserem a existência de Deus.
Na verdade, em primeiro lugar, aquilo mesmo que há pouco adoptei como regra, isto é, que são inteiramente verdadeiras as coisas que concebemos muito clara e distintamente, não é certo senão porque Deus é ou existe, ser perfeito de que nos vem tudo que em nós existe. Donde se segue que as nossas ideias ou noções, coisas reais que provêm de Deus, não podem deixar de ser verdadeiras na medida em que são claras e distintas. (…)
Ora, depois de o conhecimento de Deus e da alma [mente, coisa pensante] ter garantido a certeza dessa regra, é fácil compreender que os sonhos que imaginamos não devem, de modo algum, fazer-nos duvidar da verdade dos pensamentos que temos quando acordados.»
René Descartes, O Discurso do Método, trad. port. Newton de Macedo (Lisboa, Sá da Costa, 1984) 27-29, 32, 33.